Decisão do STJ limita a cadeia de consumo em negócios imobiliários e gera reações distintas entre especialistas em Direito do Consumidor e Meios de Pagamento
Uma decisão recente da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trouxe alívio para corretoras e empresas de pagamento que atuam no mercado imobiliário, mas acendeu um sinal de alerta para consumidores. No julgamento do REsp 2.155.898/SP, os ministros afastaram a responsabilidade solidária dessas intermediárias em casos de atraso na entrega de imóveis comprados na planta, ao entenderem que tais agentes não integram a cadeia de fornecimento do serviço imobiliário.
Para o advogado Kevin de Sousa, mestre em Direito e especialista em Direito Imobiliário e Privado, a decisão representa um ponto de inflexão importante: “Ela sinaliza um entendimento mais restritivo da chamada ‘cadeia de consumo’, o que pode reduzir o leque de empresas contra as quais o comprador pode buscar reparação. Isso fragiliza a posição do consumidor, especialmente quando esses agentes contribuíram para a expectativa de cumprimento contratual”, alerta.
Embora a construtora permaneça como principal responsável legal pela entrega do imóvel, a exclusão de outros entes pode aumentar o tempo e a complexidade das disputas judiciais. “É legítimo o STJ delimitar os contornos da responsabilidade civil objetiva, mas é preciso reconhecer que a atuação dessas empresas vai além de uma função técnica: elas influenciam decisões e reforçam garantias. Ao retirá-las da equação, corremos o risco de blindar intermediários que lucram com a operação, mas não respondem por seus efeitos”, completa o advogado.
Na prática, a decisão pode reduzir a segurança jurídica para o comprador, que dependerá exclusivamente da construtora em caso de inadimplemento. E, segundo Kevin, há ainda um risco relevante de interpretações divergentes nos tribunais inferiores, já que os critérios para definir quem integra ou não a cadeia de consumo não são objetivos nem uniformes.
Do outro lado da discussão, Thiago Amaral, especialista em Meios de Pagamento e sócio do Barcellos Tucunduva Advogados, vê a decisão como um avanço para a segurança jurídica do setor. “O STJ reconheceu que as chamadas ‘pagadorias’ não participam da relação de fornecimento do imóvel. Elas atuam exclusivamente na intermediação financeira — como emissão de boletos e repasses — sem qualquer ingerência sobre a obra ou o contrato de compra e venda”, explica.
Amaral afirma que a decisão reforça a importância de contratos bem delimitados, nos quais cada agente responde apenas pelo que lhe compete. “Se houver falha no repasse de valores, a empresa de pagamento pode ser responsabilizada. Mas não por atrasos na obra, o que é papel do incorporador”, afirma. Para ele, o entendimento abre espaço para mais inovação no setor: “Com menos risco jurídico, fintechs passam a ser vistas como aliadas estratégicas e não como potenciais passivos ocultos”.
Diante desse cenário, Kevin recomenda cautela redobrada na hora da compra. “Analisar o contrato com um advogado antes de assinar é essencial. Também é importante guardar todas as comunicações com corretoras e intermediários, e buscar incorporadoras com boa reputação”, orienta.